Entrevista exclusiva com Michael Marisi Ornstein - Traduzida!

Michael Marisi Ornstein, 46 anos, actor, pintor, escritor, argumentista e realizador com mais de 25 anos consagrados às lides artísticas. Ele é, claramente, um artista com muito potencial e com muito talento para ser explorado. O seu site oficial (link) é um bom exemplo disso.

Na televisão portuguesa é praticamente um desconhecido. Vimo-lo recentemente na SIC no papel de Frank Davis na série "NCIS: Los Angeles", onde participa a actriz portuguesa Daniela Ruah.

No entanto, é no papel de Chuck Marstein (uma personagem com um síndrome de masturbação compulsiva...) na série "Sons of Anarchy" que ele é actualmente reconhecido mundialmente. A série, cuja 2ª temporada terminou nos EUA em Dezembro de 2009, chegará aos ecrãs portugueses em Março deste ano, através do canal FX português.

Responder a esta entrevista via email foi um desafio que o Michael aceitou de imediato com enorme simpatia e disponibilidade (e ainda teve a amabilidade de nos enviar uma foto autografada especialmente para esta entrevista e para o nosso blogue!).

Aqui ficam as interessantes respostas do Michael Marisi Ornstein às perguntas do Sons of Anarchy Portugal.

1 - Michael, és pintor e actor com mais de 20 anos de experiência profissional entre New York, Cape Code E Los Angeles. Também és escritor e realizador. Com tantas profissões como é que te descreverias?

Michael Marisi Ornstein (MMO) – Sou um artista. Um artista que usa várias vertentes artísticas para exprimir o que pensa e o que sente. Se por vezes o que sinto consegue ficar melhor em forma de filme, tentarei encontrar uma maneira de transformar esse sentimento num filme. Se achar que soa melhor como música, usarei os três acordes que conheço e tentarei fazer a partitura de uma canção. Se o consigo expressar melhor em forma de desenho, tentarei pintar esse sentimento com cores. Todos estes modos de expressão vejo-os como ferramentas que posso usar para poder ter a sensação de trabalho realizado. Às tantas, penso que o que estou a fazer é documentar um pensamento ou sentimento, de modo a que se olharem para todo o meu portfólio estarão a olhar para um documentário da minha vida a longo curso. Em relação ao meu trabalho como actor, este é diferente porque as minhas funções ao assumir este perfil é servir o escritor e o director de uma determinada peça onde assumo uma responsabilidade muito séria.

2 – Em 1996 filmaste “Time Away (link)” (re-editado em 2009) o primeiro filme com características digitais alguma vez feito. Além disso, neste momento encontrast-te a fazer pequenos filmes chamados “painted filmes” que são sobre os quadros que produzes. Tens algum projecto pessoal em mente ou alguma ideia para poderes, um dia, realizar um filme de elevado orçamento?

MMO –
“Time Away” é um filme que retrata a minha vida naquela altura. Consegui escrever o guião do filme em 3 dias e tive imediatamente a necessidade de o colocar em forma de filme. Com a urgência que tinha, a maneira mais simples que encontrei de o conseguir fazer foi recorrendo ao vídeo digital. O vídeo digital na altura era um meio de trabalho completamente desconhecido e que eu descobri através de um senhor de Nova York chamado Winston que trabalhava na B&H Camera. Este filme não foi concretizado do mesmo modo que outros realizadores o fazem em que o processo normal passa por escrever o guião e obter patrocinadores e dinheiro, conseguir uma equipa de trabalho e elenco, um director de fotografia, um produtor, etc. Neste caso, eu não tive nenhum dinheiro. Este filme foi realizado a partir da necessidade que tive em exprimir o que estava a viver naquela altura. Coloquei a câmara e o microfone num cartão de crédito, reuni os meus amigos e de alguma maneira conseguimos fazer o filme. Um amigo meu, o JB Miler, descreve-o como “Painter’s Film”, um filme de um pintor. E eu concordo com ele porque acaba por ter o mesmo conceito que os pequenos filmes que faço sobre as minhas pinturas. As minhas pinturas de pessoas já são por si histórias. Na minha cabeça pinto histórias e por vezes eu escrevo as histórias de acordo com a perspectivas do modelo, de acordo com a sua narrativa. Estes filmes das pinturas abragem as minhas pinturas, a minha escrita e a filmagem, e agora que penso nisso acabam também por incluir alguma da minha representação porque acabo por registar as histórias por mim próprio. O meu objectivo não era fazer nada disto, a minha intenção passaria por ter outros actores a gravar as vozes, mas desde que vivo num local bastante isolado, é-me difícil conseguir trabalhar com outros actores ou conseguir gravar as vozes deles.
No que se concerne às minhas futuras aspirações como realizador, eu adoro o que o Carlos Saura fez com a sua Trilogia do Flamengo . Vi estes filmes há já algum tempo, pouco depois de ter sido lançado no mercado e tornaram-se, desde sempre, uma verdadeira inspiração para mim. Sinceramente, o meu fluxo de trabalho acaba por os acompanhar e concordo com o que o Carlos Saura fez e tem vindo a fazer como ter o processo e ser o desempenho. Este é o principal conceito em que tenho vindo a trabalhar. Actualmente estou a trabalhar desta maneira num guião que escrevi. Estou a trabalhar no guião com os actores à frente de uma plateia de modo a que o processo de desenvolver o guião se transforme na performance. E depois logo se vê o que saí do mesmo.

3 – As tuas pinturas são evocativas e provocativas com um certo ênfase em temas sobre a intimidade. Há também um aspecto selvagem e de espontaneidade na composição dos desenhos. Consegues descrever o processo criativo da tua arte. Actualmente, onde recebes a inspiração para as pinturas a óleo?

MMO –
Sim, as minhas pinturas não são comuns. Houve um artista que as descreveu como “sujo” mas querendo dizer trabalho em “bruto”. Eu não pinto com o objectivo de criar quadros bonitos de pessoas, lugares e coisas. Não pinto com modelos nem paisagens. De certeza que não pinto com o objectivo de colocar ideias geniais baseadas na exploração que outros artistas usam como base. Eu não estou a pintar de uma escola em particular. Não pinto para ganhar prémios ou para exibir os meus quadros no Whitney. Pinto pelas mesmas razões que o Arthur Rimbaud escreve poemas. Acaba por ser a mais pura alquimia misturada com uma certa mística, olha, é algo que Portugal pode entender, visto que a maioria dos mais sábios Judeus famosos eram de Portugal e Espanha. As minhas pinturas são sobre inventar novas cores e uma nova linguagem. É o que eu faço. Rimbaud fê-lo com palavras e eu faço-o com cores. Para mim, a pintura é algo espiritual e sério. Fazer da imagens um truque de magia não é para mim. O meu trabalho é perceber tudo o que se passa e o que estou a sentir num determinado tempo, e eu tento fazer o melhor para o alcançar de modo a que consiga obter essas imagens de modo a poder colocá-las na tela de uma maneira honesta resumindo-a à forma mais simples do seu ser. É um mistério em como eu consigo sair de mim não para obter a resposta mas sim, porque estou num processo contínuo, e tenho tendência a mergulhar sempre cada vez mais fundo com as situações com que estou a lidar de modo a tentar perceber o que se passa. Eu nunca inicio o processo com o objectivo de pintar uma imagem em particular – quando começo a pintar é para ganhar um espaço em mim próprio que está aberto e claro... Consigo desligar o meu consciente e pintar. É um processo semelhante ao acto de dormir no sentido de que não há “tempo”, não há o “certo”, o “errado”, o ego e acima de tudo, não existe nenhuma ironia no processo. Acaba por haver só cor, movimento e camadas. Quando estou nesse lugar, consigo sentir o descaramento de um ataque único que consegue tirar-me a respiração e trazer-me de volta ao processo. Gosto de deixar as imagens "terminadas" num lugar que considero ainda "inacabado" de modo a que algures no interior do meu processo não ceda à tentação natural de "apresentar" a imagem terminada a alguém. Gosto que a pessoas que vêm os meus quadros consigam encontrar-me no processo da criação do mesmo. Sinto que este passo é muito importante, para que o observador do quadro tome parte no processo de criação do mesmo ao tentar partilhar a sua imaginação sobre uma peça em particular colaborando activamente no processo de dar vida à mesma. As minhas pinturas evoluem dia-a-dia, são diferentes de um dia para o outro. Mudam com a luz e a disposição da pessoa que a está a observar. As minhas pinturas em papel são desenhadas para serem vistas em contraluz. As cores não visíveis ao olho nu ganham vida quando a luz aponta sobre este tipo de pinturas. Por todas estas razões, consigo ver as minhas pinturas como organismos vivos porque cada vez que uma pessoa diferente olha para uma delas, elas são trazidas à vida de maneiras diferentes. Acredito que as minhas pinturas requerem observadores que consigam interagir com as mesmas com o objectivo de se tornarem um todo.

4 – Vive em Cotuit (link), Cape Cod (Massachusetts), com mulher e dois filhos. Como é viver em Cape Cod longe das grandes áreas urbanas?

MMO –
Já conheci algumas pessoas espectaculares cá de quem gostamos imenso. A nossa filha anda numa creche com professores extremamente carinhosos e atenciosos. Adoro o mercado que tem sempre produtos frescos, o restaurante local onde servem alguns dos melhores hambúrguers que já comi. No entanto, e pensando a um nível mais macro, é bastante isolado viver cá, tanto criativamente como pessoalmente. Mudamos para cá para que pudessemos proporcionar aos nossos filhos crescer num ambiente saudável e o que aprendemos é que o sistema escolar é inquietante e muita pouca atenção está a ser dada aos jovens da comunidade o que acaba por neglicenciar os mais novos. Os líderes da comunidade parecem ser insensíveis e indiferentes à comunidade juvenil, o que acabo por considerar uma realidade muito triste. A comunidade criativa cá também é bastante territorial e acho que está debilitada como um todo. A comunidade cultural étnica ou artística cá é muito pequena o que acaba por ser um grande problema para nós. Somando as partes, sinto que seria mais saudável para os nossos filhos crescer numa zona onde eles possam experimentar uma série de culturas diferentes através das pessoas, arte, comida, etc. Enfim, é como me sinto neste momento. Essa zona, esse lugar é algo como New York City, que é uma cidade urbana e internacional. É a minha cidade, aquela que eu considero de minha casa.

5 – Vamos falar um pouco da personagem Chuck Marstein na série de TV “Sons of Anarchy”. Como surgiu a oportunidade de trabalhar nesta série?

MMO -
Kurt Sutter inventou essa surpreendente personagem e eu fui sortudo o suficiente em ter a honra de o representar, algo pelo qual estou eternamente grato.

6 – Como é que te preparaste para interpreter o papel de alguém que sofre de masturbação compulsiva?

MMO –
Do modo como a personagem foi escrita estava claro para mim que Chuck é uma pessoa com substância mas com um obstáculo enorme a poder ser uma pessoa funcional e “normal”. Chuck é esperto mas, consegues imaginá-lo numa reunião de uma comissão administrativa apresentando diagramas de com resultados financeiros anuais com a mão dentro das calças? Pensei muito em como construir um passado para o Chuck, uma vida antes do momento em que ele surge pela primeira vez na série e em que é salvo e apanhado do chão pelo Otto. O que o levou a estar ali? O que o levou a ser contabilista para o Lin? O quê é que lhe deu forças para desenvolver instintos de sobrevivente de modo a superar de forma simples todas as situações com que se depararou? Que tipo de loucura aconteceu ou cometeu que fez com que activasse nele o tique que causa a masturbação compulsiva? Este é o génio do Kurt. Em criar uma panóplia de complicações numa personagem e tentar enraizar a mesma numa situação/local que seja crédivel. Assumi as circunstâncias e coloquei o meu foco, 100%, nos outros actores que são das pessoas mais sinceras e honestas com quem já trabalhei. Naturalmente, o humor também teve uma componente bastante grande nisto tudo, que é isso o que torna o Chuck tão engraçado. Tivemos uma epifania.

7 – A personagem tem algo da tua personalidade pessoal? Houve algma improvisação ou a personagem foi completamente colada do guião?

MMO –
Não houve improvisação. Foi tudo de acordo com o guião. Dei um pouco da minha personalidade ao Chuck, claro, dando-lhe alguma segurança de acordo com as circunstâncias da personagem. É isso que os actores fazem.

8 – Como é que foi trabalhar com Kurt Sutter e o resto dos argumentistas de Sons of Anarchy, tal como restante equipa e elenco ? Tens amigos pessoais na série?

MMO –
O Kurt e a Katey são amigos muito próximos. Quando se trabalha de forma criativa, é um beneficio trabalhar com pessoas com quem já tens uma relação de trabalho. Os músicos fazem-no a toda a hora, tal como directores, escritores, actores, filmógrafos, coreógrafos, empresários, Chefs, etc. Trabalhando de forma criativa, há um elemento desafiador em levar as pessoas aos seus limites, de uma maneira saudável. Se já tens uma relação com essa pessoa e conheces as suas capacidades, então tens alguma liberdade nesse desafio, porque confias que a pessoa com quem estás a trabalhar vai até onde queres que ela vá. Conheço o Kurt há mais de 20 anos. Conhecemo-nos na escola de representação e trabalhamos juntos por mais de 2 anos num rigoroso programa Meisner, com a Kathryn Gately e ficamos excelentes amigos. A cena entre Otto e Chuck na prisão foi uma das maiores alegrias da minha vida criativa. A Katey foi a primeira pessoa fora da nossa família imediata a pegar na nossa filha. Ela estava em NYC quando Lena nasceu e veio conhecê-la. O Kurt e a Katey também têm bastantes pinturas minhas, o que para mim tem um profundo significado a vários niveis. Eles produziram uma exibição dos meus quadros para angariar dinheiro para L.A.’s Downtown Women’s Center, associação que ajuda mulheres em Skid Row. De facto, em todas as peças, filmes e séries de TV em que trabalhei, SoA é a mais pessoal para mim, devido ao respeito e genuíno carinho que tenho por todos aqueles com quem estou a trabalhar. Considero mesmo que todos nesta série são meus amigos. Trabalhar nesta série é como cozinhar para a minha familia. Nunca me senti tanto em casa, em tão boas mãos, e nunca trabalhei com tanto afinco para fazer um bom trabalho.

9 – Season 1 ou Season 2. Qual das duas gostaste mais ?

MMO –
Vejo ambas como um fluxo contínuo, tu percebes. E gosto de ambas.

10 – Teremos o Chuck Marstein de volta na Season 3?

MMO –
Há um pássaro, um cardeal vermelho que costuma estar na minha árvore de azevinho. Nunca sei onde é que ele vai, quando vai e muito menos quando é que ele regressa. O Chuck é como esse pássaro. Quem sabe?

11 – Vimos-te recentemente no 2º episódio da nova série de TV “NCIS: Los Angeles” a interpretar um pequeno papel como Frank Davis. Ele voltará à série? Tiveste a oportunidade de conhecer a actriz portuguesa, a bela Daniela Ruah (Special Agent Kensi Blye)?

MMO –
Não sei, mas foi muito engraçado interpretar um gajo de fato. Infelizmente não tive a oportunidade de conhecer a bonita Daniela Ruah.

12 – De entre todas as pessoas com quem trabalhaste ou colaboraste, consegues identificar as que tenham influenciado o teu processo de criatividade e consequentemente o teu trabalho?

MMO –
Tive duas professoras que me foram muito importantes. Stella Adler e Anna Sokolow iniciaram-me num mundo um pouco ou quanto antiquado, sério e sensível e conseguiram guiar-me no processo de iniciação a ser artista e até como pessoa. Steve Again, o pintor, através das nossas conversas no Sandilino’s da Bleeker Street, ensinou-me imenso sobre a integridade dos modos de vida e sobre como ver as coisas. Professores como o Michael Howard, Kathryn Gately e o Loyd Williamson acabaram por me orientar em tudo. À parte destes amigos e professores, toda a gente com quem me deparei e com quem trabalhei, todas as pessoas com que já estive em contacto de qualquer maneira influenciou-me de uma maneira ou de outra.

13 – Existe alguém em particular com quem gostarias de colaborar no futuro?
MMO – Adoraria trabalha com o Tom Waits. Estou na lista de espera. Na sua longa lista de espera.

14 – És um utilizador assíduo do Facebook (link) e do Twitter (link). É muito importante para ti manteres o contacto com os teus fans?

MMO –
Penso que é muito importante os artistas comunicarem com as pessoas que aceitam o seu trabalho, porque a audiência acaba por ser a razão para a verdadeira razão da existência de qualquer espectáculo, exposição, gravação de um álbum ou filme. O poderes expressar-te criativamente e não teres a recepção de uma audiência acaba por ser insignificante. Penso que a função mais importante que um artista pode desempenhar é conseguir mover as pessoas. Tirando isso, penso que é muito importante os artistas conseguirem comunicar para além do seu trabalho, por exemplo, repara no que o Kurt faz com o blog dele e com o Twitter. Eu gosto verdadeiramente de comunicar com as pessoas tanto no Twitter como no Facebook e conseguir encontrar inspiração e até colaboração nessas redes sociais. É muito importante para mim. Ultimamente a minha prioridade passou por cuidar dos meus dois filhos e não tive tanto tempo para poder estar online, mas logo, logo estarei de volta e em contacto com as pessoas.

15 – Alguma vez estiveste na Europa? Gostarias, de um dia, visitar Portugal? Recomendamos vivamente.

MMO –
Já estive em França e em Itália. Passei muito tempo em Itália e por isso até tenho dupla cidadania, logo tenho um passaporte da EU. A família da minha mãe é da Sicília e o meu pai é da Rússia. A família da minha mulher é da Grécia e de Espanha. Tanto eu como a minha mulher damos grande importância aos nossos antepassados. Um dia gostaria de viver na Europa e poder proporcionar essa experiência aos meus filhos. Adoraria ir a Portugal, sempre quis ir. Quero andar pelas ruas e explorar a história, a cultura, provar a comida, apreciar a arte, a tecnologia, a arquitectura, conhecer pessoas. Em Hyannis existe uma grande comunidade portuguesa e considero-a a comunidade mais viva e forte cá de Cape. Quando fui viver para NYC cheguei a viver num bairro Português e achei as pessoas muito amigáveis e muito orientadas à família. Cheguei a ser convidado para as suas casas onde cozinhavam, especialmente para mim, refeições deliciosas, do tipo de comida que ainda uso como base na minha culinária. Concluindo, claro que adoraria visitar Portugal e exibir a minha arte por aí. Isso é algo que eu gostaria imenso de poder concretizar.

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